Desastre anunciado em Brumadinho: quais são os responsáveis, quem ganha e quem paga?

Instituto Pacs
6 min readFeb 5, 2019

por Marcos Arruda | Economista e educador do Instituto Pacs, Rio de Janeiro, colaborador da Rede Jubileu Brasil, da Rede Diálogos em Humanidade e da Ágora dxs Habitantes da Terra

No Brasil, a Vale S.A. tem empreendimentos no Pará, no Maranhão, em Minas Gerais, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro. De quantas maneiras a Vale S.A. lucra com a produção de aço no território brasileiro? Acesse: http://violacoesnasiderurgia.pacs.org.br/#topicos

Em 25 de janeiro último mais um colapso de barragem de rejeitos de mineração da Vale ocorreu em Minas Gerais. Uma tragédia monstruosa, que muitos estão chamando de “carnificina”. Até ontem (4), 134 corpos foram encontrados pelas equipes de resgate, dos quais 120 foram identificados. No total, 394 pessoas foram localizadas e 199 continuam desaparecidas.

Outra barragem ali pertinho também pode arrebentar. São milhões de litros de resíduos tóxicos, que estavam guardados “para sempre”, pois não há uso para tais resíduos. Desastre anunciado. A experiência do assassinato do Rio Doce pela mesma causa já devia ter ensinado a lição. Mas o que a Vale aprendeu foi que ela pode ficar impune, enquanto houver políticos venais nas agências de governo de Minas Gerais e do Brasil. Daí a busca desenfreada do máximo lucro para os acionistas, em vez da máxima segurança para os moradores e os ecossistemas, e a plena reparação às vítimas.

Perguntas que não querem calar: a quem beneficia a produção intensiva de minério? Quem compra? Para quê? O que ganha o Brasil, a população, as comunidades da região? Quem enriquece e quem empobrece? Faz sentido desflorestar e esterilizar cada vez mais quilômetros quadrados de terra para acumular resíduos tóxicos que não terão qualquer uso? Vale a pena manter reservatórios perpétuos em cemitérios ambientais sem qualquer sinal de vida?

O Córrego do Feijão não estava identificado como área de risco! De quem foi, então, esta falha fatal? É o momento de os governos estadual e federal perguntarem: a Vale tem uma política de segurança das suas barragens de resíduos? Tem cadastro de cada uma e acompanha a evolução das barragens pela ótica da segurança? Tem uma política de treinamento e de comunicação junto à população frente aos riscos de desastre? Tem uma política de socorro e de reparação em favor das vítimas?

Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) existem hoje 45 barragens de resíduos em risco de rompimento. Que tem sido feito pelas empresas responsáveis? Mas e os próprios governos de MG e federal? Quem são os responsáveis pela fiscalização? A própria empresa? É isto que reza a lei? Não seria “conflito de interesse”? Se o governo não fechar a hidrelétrica de Retiro Baixo para conter o fluxo dos resíduos, o Rio São Francisco arrisca ser também assassinado. Só há um veredicto: todos os responsáveis são cúmplices desta segunda catástrofe provocada pela Vale! E devem pagar por ela!

Desde o desastre anunciado da Vale em Brumadinho, também em Minas Gerais, advogados dos acionistas da Vale preparam ação coletiva para recuperar perdas sofridas pela empresa. Teria a Vale emitido informações falsas sobre seus negócios? O Escritório The Schall está investigando se a Vale omitiu informações sobre riscos com as barragens de rejeitos. Mas não são estes investimentos de riscos, sujeitos a ganhos ou a perdas segundo a lei do mercado? Querem os acionistas da Vale ganhar sempre, seja quando a empresa ganha, seja quando ela perde? O valor de mercado da empresa caiu em três dias 24,52%. Mesmo assim, os acionistas querem continuar ganhando? E quem irá pagar estes dividendos? Se a prioridade forem os dividendos, com que fundos será feito o atendimento e a reparação às vítimas? E as vidas — humanas, animais e vegetais — perdidas, quanto valem?

A Vale já sofreu quatro bloqueios do seu saldo de caixa, e mais duas sanções, no valor total de R$ 12,1 bilhões. Este dinheiro está reservado para cobrir os custos sociais e econômicos das vítimas e a destruição ambiental perpetrada pela Vale? Ou será para garantir os dividendos dos acionistas? Neste caso, quem irá pagar aqueles custos? As vítimas? Os responsáveis pelo desastre anunciado — a diretoria da Vale, os acionistas, os órgãos dos governos estadual e federal incumbidos de fiscalizar, acompanhar e garantir a segurança das barragens?

Em 1997 FHC privatizou parte da Petrobrás. Ela era uma empresa estatal (.gov) e passou a ser empresa mista (.com), voltada principalmente para o objetivo do máximo lucro, em vez do melhor serviço à nação. FHC também desnacionalizou parte do controle acionário da Petrobrás, ao colocar à venda ações da Petrobrás na bolsa de Nova York. Quando a Globo recebeu do juiz Sergio Moro informações sobre corrupção de alguns (não todos) diretores, o valor de mercado da empresa caiu. Advogados dos acionistas estadunidenses (que detinham cerca de 70% das ações preferenciais da companhia) processaram o governo brasileiro e conseguiram arrancar do país R$ 10 bilhões para compensar perdas de dividendos dos acionistas.

Faz sentido a privatização?

Foi também FCH quem privatizou a Vale. E quem disser que a Vale hoje continua sob controle estatal, está enganado. O principal acionista é a Litel, que pertence à PREVI, empresa de previdência privada dos funcionários do Banco do Brasil. Entre os acionistas estão também o Banco e a Fundação Bradesco, e a transnacional japonesa Mitsui. Acontece que a Vale atua no setor de mineração e metalurgia — estratégico para a economia nacional. Faz sentido que ela seja motivada pelo máximo lucro para seus acionistas no mais curto prazo, em vez do melhor serviço para o conjunto da nação? Pior: FHC lançou as ações da Vale na bolsa de Nova York, desnacionalizando uma parcela das receitas da empresa. Terá o governo federal a coragem de também desnacionalizar a parcela proporcional dos custos do desastre de Brumadinho? Faz sentido ter ações em bolsas estrangeiras? Como medir o risco de perdas em divisas? Quem estima os custos e benefícios a priori, e não a posteriori?

Já é tempo de mudança da política minerária

Em qualquer parte do mundo, mas, sobretudo, no Brasil e na América Latina, a atividade mineira é social e ambientalmente insustentável, pois está entre as mais agressivas às comunidades locais e ao meio natural. E as mais impunes, por deficiência do nosso sistema judiciário.

É hora de redesenhar a estratégia de desenvolvimento socioeconômico do Brasil, visando à redefinição das necessidades e da demanda na perspectiva da “sobriedade feliz” e da “economia do suficiente”. Ambas são condições indispensáveis para superarmos a obsessão pelo crescimento ilusoriamente ilimitado, e para a mudança de paradigma visando a distribuição equitativa dos frutos do desenvolvimento, em harmonia com a Natureza. É neste contexto que será possível redefinir o perfil da demanda de bens industriais, o sistema de propriedade dos bens produtivos, o papel da produção industrial e modos de minerar que cumpram finalidade social e as condições de sustentabilidade ecológica.

É hora de introduzir na legislação brasileira o custo total como critério de viabilidade dos investimentos. A estimativa dos custos financeiros de investimentos da Vale é gravemente incompleta. Os custos sociais e ecológicos da atividade mineradora são habitualmente qualificados de “externalidades” pela empresa capitalista, em particular a empresa privada ou a mista, cuja principal finalidade é maximizar lucros para seus acionistas e dominar mercados a todo custo. Tornar aqueles custos parte compulsória dos cálculos de viabilidade do investimento obrigará as empresas de mineração a abandonar projetos social e ecologicamente inviáveis e, no caso do projeto ser viável, a desenvolver políticas, métodos e técnicas que protegem as comunidades e o meio natural. A nova legislação deve também prever sanções às empresas que descumprirem a lei do custo total, e as agências de governo que negligenciarem suas responsabilidades de monitoramento e fiscalização e cobrança das multas das atividades mineradoras.

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