Campanha Essa Terra Tem Lei: tradução do PL 572/22

Instituto Pacs
8 min readApr 23, 2024

Em março de 2024, o Instituto Pacs, em parceria com a Justiça Global e a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, lançou uma série de conteúdos sobre a Campanha Essa Terra Tem Lei, pela aprovação do PL 572/2022 — Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas. Os conteúdos apresentam os aspectos jurídicos do texto que pode se tornar a primeira lei do mundo a trazer garantia de obrigações diretas para as empresas e direitos para os povos.

A partir da mobilização dos territórios impactados pelas atividades de grandes empresas e corporações e da articulação com movimentos sociais, universidades públicas e entidades da sociedade civil organizada, o PL 572 foi apresentado no Congresso Nacional em março de 2022 e ainda está em tramitação.

Entenda mais sobre o projeto:

TRADUÇÃO DA LEI

Não é de hoje que grandes empresas desrespeitam os direitos humanos. Pesquisas recentes estão reunindo provas de várias violações de direitos cometidas por empresas há mais de 40 anos, durante a Ditadura Militar no Brasil. Hoje em dia, já é conhecido que muitas empresas não só apoiaram politicamente, mas também deram suporte financeiro para a derrubada da democracia em 1964, iniciando um período autoritário de mais de 20 anos. Naquele contexto, as mesmas empresas tinham na ditadura uma aliada para violentar trabalhadoras e trabalhadores que ousavam pedir respeito aos seus direitos, como também pessoas e grupos direta e indiretamente afetados por ações de empresas, privadas ou públicas, nacionais ou transnacionais. Agora, a partir do que novas pesquisas vêm comprovando, as vítimas e seus familiares têm uma nova chance de buscar na justiça a reparação sobre violências que sofreram individual ou coletivamente, em alguns casos, há mais de 50 anos.

Mesmo com o fim da ditadura e volta à democracia, que tem na Constituição Federal de 1988 o seu principal marco, a relação entre atividades empresariais e respeito aos direitos humanos no Brasil segue complexa. Os casos de exploração de trabalho escravo, de trabalho infantil, de destruição de rios e contaminação do ar, do solo e das águas com emissão e despejo de venenos e outras substâncias tóxicas, de expulsão de comunidades de seus territórios, entre outras formas graves de desrespeito aos direitos trabalhistas, ambientais e sociais não ficaram no passado. Porém, como vivemos em uma democracia, este é agora um problema público que precisa ser enfrentado por toda a sociedade.

A proposta da Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas, o atual Projeto de Lei nº 572/2022, caminha neste sentido, trazendo linhas gerais para a aplicação de leis nacionais e tratados internacionais já existentes sobre proteção de direitos humanos e também para a criação de políticas públicas específicas para assegurar a garantia de direitos de pessoas, grupos e comunidades por parte de toda e qualquer atividade empresarial no Brasil.

O projeto da Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas foi elaborado com atenção para os obstáculos atualmente enfrentados no andamento de diversos processos de reparação de direitos violados por parte de empresas. A proposta traz instrumentos importantes para facilitar as investigações nos casos de desrespeito aos direitos fundamentais, acelerar o andamento dos processos judiciais de responsabilização e de reparação para as vítimas, mas também ferramentas para prevenir violações de direitos que devem ser adotadas pelo Estado e, principalmente, pelas próprias empresas. Assim, além de se voltar para agentes e instituições do Estado, incluindo os órgãos de justiça — como Ministérios Públicos, Defensorias Públicas e Tribunais de Justiça — a proposta também traz obrigações para as empresas, sejam nacionais ou transnacionais, que exercem algum tipo de atividade econômica no Brasil. Estas últimas devem passar a atuar também na promoção dos direitos humanos e na prevenção de violações, e não somente quando forem chamadas pela Justiça para compensar ou recuperar direitos já desrespeitados.

Não é novidade que grandes empresas possuem enorme poder não somente econômico, mas também político e cultural. No Brasil, mesmo recebendo incentivos estatais para investimentos, como linhas de crédito e dispensa de pagamento de alguns impostos, muitas corporações conseguem se esquivar das exigências legais quanto aos direitos trabalhistas, sociais e ambientais. Investem muitos recursos para driblar a legislação e para se defenderem nas investigações e processos judiciais sobre as violações de direitos cometidas. Diante disso, alinhada com o que há de mais atual no tema em âmbito internacional, a Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas traz para a legislação brasileira o que é chamado de “devida diligência empresarial”. Através desta medida, é exigido que as empresas invistam em ações de identificação, prevenção, monitoramento e reparação, redirecionando recursos antes utilizados para se esquivar de obrigações legais ou para defender-se após já terem violado direitos de indivíduos e comunidades. Os deveres previstos pela proposta de lei vinculam toda a cadeia produtiva, isto é, toda a rede de companhias ligadas em um mesmo processo produtivo, conectando empresas subsidiárias, filiais, subcontratadas, fornecedoras, etc.

Outro ponto central da Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas é o protagonismo dos indivíduos, grupos e comunidades direta ou potencialmente atingidos pelas atividades empresariais. O princípio da centralidade do sofrimento da vítima torna obrigatória a garantia da participação social em todas as ações de prevenção e reparação integral das violações de direitos humanos, para além do direito das comunidades de serem consultadas previamente sobre todas as decisões das empresas que lhes afetem. Cabe às instituições estatais e às empresas assegurar a participação efetiva das vítimas na elaboração dos mecanismos de prevenção, reparação e garantias de não repetição das violações. Entre as ferramentas previstas pelo Projeto de Lei nº 572/2022 para viabilizar a participação estão, por exemplo, a oportunidade dos grupos atingidos de escolherem assessorias técnicas independentes para atuação nos processos e o respeito e promoção dos protocolos de consulta elaborados pelas próprias comunidades.

A centralidade das vítimas está relacionada também ao reconhecimento da chamada hipossuficiência dos atingidos e das atingidas face à empresa, que também integra o texto da proposta de lei. O Direito brasileiro reconhece que algumas relações são em regra marcadas pela desigualdade de forças, o que dificulta uma das partes enfrentar a outra na Justiça em caso de conflito. É o caso por exemplo das relações trabalhistas e das relações de consumo, nas quais as leis do país assumem de antemão que trabalhadoras/es e consumidoras/es estão em desvantagem em relação aos empregadores e estabelecimentos comerciais. Assim, uma das propostas da Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas é assumir como ponto de partida que a relação entre empresas e indivíduos, grupos e comunidades atingidos pelas atividades econômicas é uma relação desigual. O reconhecimento da hipossuficiência de atingidas e atingidos é fundamental para garantir a estes grupos melhores condições de se defenderem das violências deflagradas pelas empresas. Decorre daí, por exemplo, o direito à inversão do ônus da prova. A regra geral na Justiça é a de que quem alega um fato é responsável por prová-lo. Porém, uma vez reconhecida a hipossuficiência dos indivíduos, grupos e comunidades atingidos pelas ações das empresas, são as empresas que deverão provar que os fatos alegados pelas atingidas e atingidos não ocorreram, afastando a responsabilidade das vítimas de terem que provar todas as violências sofridas.

Outro recurso previsto pelo Projeto de Lei nº 572/2022 para corrigir a desigualdade de forças é a prevalência da interpretação mais favorável à pessoa atingida. Caso nas investigações ou no momento de decisão judicial seja possível interpretar uma norma de diferentes formas, a proposta de Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas determina que deverá ser atendida a forma de interpretação mais favorável às pessoas e grupos vitimados pela ação das empresas. Assim, na esteira do princípio da centralidade do direito das vítimas, a proposta de lei aponta que serão considerados nulos os acordos judiciais ou extrajudiciais — como os chamados Termos de Ajuste de Conduta (TAC) — que na prática acabarem desobrigando as empresas das obrigações de indenizar e reparar violações de direitos ocorridos sob sua responsabilidade.

Descrevemos até aqui apenas parte daquilo que prevê o Projeto de Lei nº 572/2022, que estabelece a Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas, havendo ainda outras inovações importantes para garantir transparência nos processos de reparação de direitos violados, mas também para obrigar empresas às ações de prevenção e promoção de direitos humanos. Alguns dos dispositivos mais inovadores do projeto constam na Resolução nº 5/2020, do Conselho Nacional de Direitos Humanos. No entanto, por ser uma Resolução, esta norma não tem a mesma força que uma lei,. Por isso também o esforço da sociedade neste momento é crucial para conferir força de lei para tais instrumentos. Esta iniciativa de lei acompanha um esforço que vem sendo feito em diversos países atualmente, visando reagir frente à histórica impunidade de grandes empresas e corporações por condutas criminosas que afetam a saúde, os modos de vida e de trabalho, corpos e territórios de milhares de pessoas e comunidades. Que o respeito aos direitos humanos e a reparação integral nos casos de desrespeito também façam parte desta história.

2) Destaques deste mesmo texto (itens) para a produção de um carrossel de 5 cards:

● Não é de hoje que algumas empresas desrespeitam os direitos humanos. Mesmo com o fim da ditadura e volta à democracia, que tem na Constituição Federal de 1988 o marco principal, a relação entre empresas e direitos humanos no Brasil segue complicada. Porém, como vivemos em uma democracia, este é um problema público que precisa ser enfrentado por toda a sociedade. A proposta da Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas, atual Projeto de Lei nº 572/2022, caminha neste sentido, trazendo linhas gerais para a aplicação de leis e tratados já existentes sobre proteção de direitos humanos e também para criação de políticas públicas específicas para assegurar a garantia de direitos de pessoas, grupos e comunidades por toda e qualquer atividade empresarial no Brasil. A iniciativa acompanha um esforço global de entidades de direitos humanos frente à impunidade de grandes corporações por condutas criminosas que afetam corpos e territórios de milhares de pessoas, para que o respeito aos direitos humanos e a reparação integral nos casos de desrespeito também façam parte desta história.

● A proposta traz instrumentos importantes para facilitar as investigações nos casos de desrespeito aos direitos fundamentais, acelerar o andamento dos processos judiciais de responsabilização e de reparação para as vítimas, mas também ferramentas para prevenir violações de direitos que devem ser adotadas pelo Estado e, principalmente, pelas próprias empresas. Traz obrigações para as empresas, sejam nacionais ou transnacionais, que exercem algum tipo de atividade econômica no Brasil. Estas últimas devem passar a atuar também na promoção dos direitos humanos e na prevenção de violações, e não somente quando forem chamadas pela Justiça para compensar ou recuperar direitos já desrespeitados.

● Alinhada com o que há de mais atual no tema em âmbito internacional, a Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas traz para a legislação brasileira o que é chamado de “devida diligência empresarial”. Através desta medida, é exigido que as empresas invistam em ações de identificação, prevenção, monitoramento e reparação, redirecionando recursos utilizados para se esquivar de obrigações legais ou para defender-se após já terem violado direitos de indivíduos e comunidades.

● Outro ponto central da Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas é o protagonismo dos indivíduos, grupos e comunidades direta ou potencialmente atingidos pelas atividades empresariais: o princípio da centralidade do sofrimento da vítima. Entre as ferramentas previstas pelo Projeto de Lei nº 572/2022 para viabilizar a participação estão, por exemplo, a oportunidade dos grupos atingidos de escolherem assessorias técnicas independentes para atuação nos processos e o respeito e promoção dos protocolos de consulta elaborados pelas próprias comunidades.

● A centralidade das vítimas está relacionada também ao reconhecimento da chamada hipossuficiência dos atingidos e das atingidas face à empresa. O Direito brasileiro reconhece que algumas relações são em regra marcadas pela desigualdade de forças, o que dificulta uma das partes a enfrentar a outra na Justiça em caso de conflito. Uma das propostas da Lei Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas é assumir como ponto de partida que a relação entre empresas e indivíduos, grupos e comunidades atingidos pelas atividades econômicas é uma relação desigual. Decorre daí, por exemplo, o direito à inversão do ônus da prova, que tira das vítimas a responsabilidade de provar todas as violências sofridas.

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