Brasil e os mecanismos de denúncia internacionais

Instituto Pacs
4 min readJun 1, 2020

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Por Ana Luisa Queiroz, pesquisadora e educadora popular do Instituto Pacs

Nos últimos anos, temos experimentado na América Latina, em especial no Brasil, uma crescente adesão popular a valores conservadores e apoio a institucionalização dos ataques aos direitos humanos e ambientais. Através de candidaturas de ultradireita, nossas sociedades retrocedem em avanços duramente conquistados e nos vemos na necessidade de defender direitos básicos, dentre eles o próprio direito de defesa.

Ainda que seja bem verdade dizer que o Estado Democrático de Direito não chegou a ser plenamente instaurado no país, a marcha ré na qual nos encontramos é grave e vulnerabiliza ainda mais sujeitos historicamente colocados como minorias políticas. As populações em periferias urbanas e rurais, povos tradicionais, mulheres empobrecidas, negros, LGBTQIs, e outros, que já não encontravam nas instituições brasileiras uma coerência ou segurança em relação ao exercício de seus direitos, agora se veem ainda mais expostos pelo aumento da militarização da vida, expansão de milícias, pela maior liberdade de ação de paramilitares e seus capangas, pelos linchamentos e pelas difamações.

A ocupação de pastas importantes do Executivo Federal por quadros declaradamente antidireitos (humanos, feministas, ambientalistas e etc), amplia o desafio de defesa dos territórios e da vida. Não é possível esperar dessas figuras ações que visem à ampliação de direitos, preservação de reservas e construção de experiências de justiça em nosso país. Diante deste cenário mais hostil às provocações por parte dos defensores dos direitos humanos no âmbito nacional, as denúncias em organismos internacionais despontam ferramentas imprescindíveis.

Durante 2019 e até 2020[1], essa estratégia foi sendo mobilizada por diferentes organizações. Em novembro de 2019, em função da omissão ao combate das queimadas epidêmicas na Amazônia, Jair Bolsonaro foi denunciado ao Tribunal Penal Internacional (TPI), do qual o Brasil é signatário, por crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio de povos indígenas[2]. Em dezembro de 2019, o Subcomitê da ONU para Prevenção a Tortura criticou o decreto de Bolsonaro que dispensava 11 peritos responsáveis pelas visitas em presídios, para a prevenção da tortura e tratamento cruel[3]. Já em 2020, o presidente foi denunciado em diferentes organismos por causa de sua conduta irresponsável no enfrentamento à epidemia do novo coronavírus. Após o arquivamento feito pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, do pedido de emissão de recomendação de aconselhamento de Bolsonaro a seguir as orientações da OMS, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) entrou com uma representação no TPI[4]. O Brasil também foi denunciado duas vezes ao Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH), pela violação de suas obrigações de proteção da população em relação à propagação da COVID-19[5], e pelo desmonte das políticas socioambientais indigenistas promovendo risco elevado de genocídio contra populações indígenas isoladas, contaminadas em missões de evangelização[6].

O terreno político no Brasil é instável e suas relações externas estão cada dia mais complexas. Bolsonaro, sua família e apoiadores estendem às relações diplomáticas o mesmo padrão de interação desrespeitoso dado aos atores críticos em território nacional. Desde sua campanha, o presidente já manifestava seu desprezo pelas organizações não governamentais e chegou a anunciar que, quando eleito, retiraria o país do CDH. Dentre os episódios mais marcantes deste tipo de postura estão a resposta à declaração da Alta Comissária da ONU, Michele Bachelet, em relação à redução do espaço democrático e aumento da violência policial no Brasil; além das manifestações públicas de Eduardo Bolsonaro de crítica e culpabilização da China, maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, pela pandemia da COVID-19[7] (vale dizer que o deputado federal aponta culpados por uma pandemia que, ao mesmo tempo, não reconhece).

Neste cenário, confirmamos mais uma vez a dimensão processual dos direitos humanos e ambientais, em seus contextos e correlações de força. Não conseguimos precisar até onde as ferramentas do direito internacional podem contribuir para a responsabilização de Estados e empresas violadoras, mas reforçamos que a ocupação articulada desses espaços é necessária enquanto frente de luta na defesa e garantia de direitos socioambientais

[1] Considerando até abril de 2020, quando este texto foi escrito.

[2] Acessado em abril de 2020 https://www.conjur.com.br/2019-nov-28/bolsonaro-denunciado-crimes-humanidade-tpi

[3] Acessado em abril de 2020 https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/12/16/subcomite-da-onu-critica-decreto-do-governo-brasileiro-que-alterava-orgao-contra-tortura.ghtml

[4] Acessado em 20 de abril de 2020 https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-e-denunciado-em-tribunal-internacional-entenda-quais-sao-as-acusacoes-e-consequencias,70003259794

[5] Acessado em 20 de abril de 2020 https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/03/16/psol-denuncia-bolsonaro-a-onu-e-oms-por-colocar-saude-da-populacao-em-risco.htm

[6] Acessado em 20 de abril de 2020 https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/03/governo-bolsonaro-e-denunciado-na-onu-por-ameaca-de-genocidio-de-indigenas-isolados/

[7] Acessado em 20 de abril de 2020 https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/03/18/culpa-e-da-china-diz-eduardo-bolsonaro-embaixador-chines-repudia-e-exige-desculpas.ghtml

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